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História yuri





Quando entrei na comunidade otaku era comum que chamassem as histórias de romance lésbico como yuri e as de romance gay como yaoi. No entanto mais tarde adotaram um termo mais atualizado e correto para o “yaoi”, o “BL”, e iniciaram-se muitas discussões entre fujoshis e anti-fujoshis nas redes sociais. Essas discussões acabaram chegando no yuri e algumas pessoas parecem esquecer que os dois não são o mesmo gênero e tem histórias diferentes, por isso decidi escrever esse texto hoje.

No final dos anos 60 as mulheres mudaram radicalmente o mundo dos mangás como artistas, iniciadas pelo grupo conhecido em inglês como Magnificent 49ers. Elas se tornaram as primeiras a desenhar quadrinhos por e para mulheres e incluíram minorias sexuais e de gênero em seus trabalhos. Hagio Moto desenhou Toma no Shinzo ( Heart of Thomas [1974]) com elementos gays, e Riyoko Ikeda criou vários mangás que tratam do amor lésbico e incluiu até personagens transgêneros. Suas histórias, Oniisama E ( Caro irmão [1975]) e Claudine(1978) ambos apresentam mulheres crossdressing, e Claudine pode ser interpretada como gay ou trans. Igarashi Yumiko e Yamagishi Ryouko exploraram o amor do mesmo sexo entre mulheres em, respectivamente, Paros no Ken (1986) e Shiroi Heya no Futari (1971). O último inclusive foi importante e pode ser considerado o primeiro mangá yuri, inspirando muitos posteriormente.

Shiroi heya no futari

Em 1971 foi fundada a primeira comunidade lésbica japonesa formal conhecida, Wakakusa no Kai (Fresh Green Club) foi nomeada para representar literalmente o fato de que era uma organização de base (Sawabe 2007). O Wakakusa no Kai não se desfez completamente até meados da década de 1980. 

Yuri não foi o primeiro termo usado para o romance homossexual feminino. Os termos comuns no mundo doujinshi na década de 1990 eram “menina x menina” (女 の 子 x 女 の 子) ou “mulher x mulher” (女 x 女) ou o vago “onna-doushi” (女 同 士).

Na década de 70, a Barazoku, primeira revista masculina gay, decidiu dedicar também um espaço às lésbicas, assim as partes de cada tema foram divididas em:

• Barazoku, que se tratava dos temas para homens gays, traduzindo fica “Tribo da Rosa”;

• Yurizoku, “Tribo do Lírio”, flor que já tinha certo simbolismo na comunidade. Lírios são bonitos, vêm em muitas variedades e têm um cheiro agradável. Isso simbolizava o que as mulheres sáficas japonesas sentiam ao amar outras mulheres.

Os conteúdos da revista foram bastante importantes para que as pessoas conhecessem as organizações/associações lésbicas do país.

Após a Comiket ter sido formada em 1975 o nome “yurizoku” foi encurtado para apenas “yuri”, e apropriada por artistas de quadrinhos para descrever não lésbicas, mas sexo lésbico. A imagem do lírio foi fixada permanentemente nas lésbicas, mas não de uma forma que fosse confortável para elas.

A disseminação dos doujinshis abriu portas para as minorias sexuais se expressarem e criarem suas próprias histórias. Artistas como Amamiya Sae, Takashima Rica, Ang e Morishima Akiko criaram quadrinhos para expressar suas próprias narrativas pessoais, explicitamente lésbicas para lésbicas, completamente separados dos quadrinhos pornográficos populares com sexo lésbico para consumidores masculinos. Assim, o uso desse rótulo estava começando a se afastar da pornografia.

Quando a onda de ativismo político e social se dissipou no estouro da bolha econômica japonesa no pós-guerra, o lesbianismo estava associado à patologia, à depressão, ao suicídio e à loucura. Assim, ainda na década de 90 os editores estavam dispostos a mostrar histórias lésbicas – mas não para um público lésbico.

Os editores lançaram histórias semelhantes que lucravam com tropos já estabelecidos, mas sem uma identidade lésbica explícita. A popular série de light novels, Maria-sama ga Miteru (1998–2012) foi uma franquia revolucionária com fortes raízes explícitas nos romances S do início do século XX, nos mangás S de meados do século e nas histórias de minorias sexuais e de gênero dos anos 1970.

Maria-sama ga miteru

Quando o século XXI veio, yuri se tornou o nome oficial, quando a editora Yuri Shimai foi fundada em 2003. Pouco depois de concordarem que “yuri” deveria ser o nome oficial do gênero, as editoras tiveram a idéia de que uma vez que o “Boy’s Love” estava vendendo fortemente, eles chamariam esse novo gênero de “Girl’s Love”, como um termo análogo. No entanto o termo yuri continou popular, e inclusive as próprias autoras faziam analogias à lírios em suas histórias.




Na década de 2010, a JManga se tornou a primeira editora a lançar a categoria “Yuri”. A Bookwalker Global também adotou “Yuri” como categoria e, o mais importante, nos últimos anos vimos seções “Yuri” na maioria das grandes livrarias do Japão.

Quando o público ocidental começou a usar “yaoi” para as histórias de BL com conteúdo sexual explícito e “shounen-ai” para os mais leves, eles criaram o termo “shoujo-ai”, como um análogo. No entanto, enquanto algumas pessoas no Ocidente usam “Girls Love” como sinônimo de “Yuri”, o “shoujo-ai” americano nunca foi usado no Japão.

Na verdade o uso do termo “shoujo-ai” foi combatido por muitas pessoas na comunidade. Primeiro porque é um pouco desnecessário separar o sexualmente explícito do romântico com outros rótulos. Já existem descritores para tornar esse conteúdo distinto, como pornografia, hentai e NSFW. Em segundo lugar, “shoujo-ai” é realmente usado no Japão para descrever conteúdo com meninas menores de idade em relações sexuais com homens mais velhos.

Espero que tenham gostado do texto e se informado, para não cometerem futuros erros e problematizações desnecessárias.

Fontes:





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